Arte da periferia ocupa espaço urbano
“Cada cidade tem sua gramática”
Professora da Escola de Comunicação e coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, Heloisa Buarque de Holanda tem se dedicado à pesquisa sobre a literatura de periferia, que publica sob o selo Tramas Urbanas da editora Aeroplano, que dirige. Nesta entrevista, ela fala da relação entre arte e cidades e das características e pretensões da literatura que emerge no espaço urbano.
Como a senhora vê o movimento recente de ocupação das cidades por artistas e manifestações culturais?
Esse movimento me parece, na realidade, uma intensificação da cultura e da arte pública que vem desde a segunda metade do século 20. Com o simultâneo desenvolvimento de uma ressignificação urbanística que sublinha o uso da cidade como espaço cultural e de memória, a ocupação urbana expande-se em diversas estratégias políticas e artísticas de ações majoritariamente coletivas.
Quais são as diferenças entre cidades?
Acho que cada cidade tem sua gramática e, por exemplo, a atual emergência da cultura da periferia reage com clareza a essa gramática. Por exemplo, no Rio, onde as comunidades “periféricas” ou de baixa renda estão no interior do território considerado “centro”, emergem expressões culturais mais articuladoras, que geram basicamente conexões entre mídias, linguagens, espaços, culturas e comunidades diferentes. Já em São Paulo, a resistência territorial é fundamental. A cultura produz e se volta nitidamente para as próprias comunidades e territórios geográficos e sociais. Portanto, cultura e território, cultura e cidade estão visceralmente relacionados neste momento.
Como a chamada literatura da periferia ocupa o espaço urbano?
De todas as formas possíveis. Ela traz novas marcas hiperurbanas para a literatura e desenvolve-se em ações e políticas de ocupação de fato e de direito. Basta conferir a importância atual dos saraus literários nas periferias, das novas dinâmicas das bibliotecas comunitárias, dos agentes de leitura e dos núcleos de publicação, além dos eventos públicos cujo centro é a palavra e dos projetos educativos a partir da competência da palavra como instrumento de expressão, sobrevivência e empoderamento social e econômico. Essas ações, especialmente em São Paulo, se multiplicam e são cada vez mais eloquentes.
Como essa literatura reflete a cidade e que influência ela exerce (ou pretende exercer) sobre a cidade?
Ela reflete a cidade “oculta”, “excluída” e as desigualdades sociais reproduzidas no próprio desenho do espaço urbano. A influência que pretende exercer é seu projeto político: a transformação desses territórios.
Que características marcam esses textos quanto a estilo, temáticas e outros aspectos?
São sua linguagem rouca, sua assumidamente voz própria, sem submissão a levadas ou lógicas externas como uma forma nova de identificação entre território e subjetividades/identidades coletivas. Isso faz com que em muitos textos o principal personagem/narrador seja o próprio local, distinto da antiga ideia de literatura que expressa de forma mais genérica a representação do regional. Agora, o local é, na definição dos próprios autores da periferia, apenas um CEP. Ou seja, a identificação de um topos circunscrito a apenas algumas quadras do entorno de sua moradia e de sua experiência social. É este o local que se faz personagem eloquente na nova literatura marginal.
https://www.ufmg.br/diversa/17/index.php/cultura/a-rua-como-tela-e-palco
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